quarta-feira, 16 de março de 2011

Quase

Ela sempre fora assim. Havia momentos em que conseguia se considerar alguém deveras extraordinária, mas na maior parte do tempo sabia muito bem quem era e o que dizer sobre si mesma: ordinária e medíocre.

Era quase bonita: o rosto de um tom mediano, os olhos pequenos, escuros e levemente puxados. A boca pequena, fina, rosada. As maçãs do rosto saltadas lhe conferiam um eterno ar de menininha. Mas o nariz, adunco, estranho, parecia fora do lugar, não lhe permitia se destacar. Seus cabelos castanhos levemente ondulados emolduravam seu rosto de forma desigual.

Era quase inteligente: tinha uma opinião diferente e interessante sobre diversos assuntos, mas sua timidez sempre abafava sua voz crítica quando se encontrava na frente de outras pessoas. Já quando dizia respeito ao conhecimento formal, formatado e quadrado, era quase uma negação. Fora das melhores da sala na escola somente na infância e procurava, quase sempre, passar despercebida.

Era quase interessante: tinha um gosto musical difícil de se encontrar nas mulheres de sua idade. Música lhe movia, lhe inspirava e regia sua vida. Mas enquanto se encantava e envolvia nas músicas, sabia que era extremamente desafinada e descordenada, ficando como mera espectadora de notas soltas.

Era quase poetisa: tinha um gosto especial por literatura e pulava de um livro para o outro com a mesma facilidade que tinha pra dizer os nomes dos integrantes dos "The Beatles". Gostava de escrever, e de vez e outra sentia a musa da inspiração bem perto, lhe convidando para sair da ignorância da rotina. Mas sentia claramente que enquanto deslizava a tinta no papel, ou os dedos no teclado, as motivações e intenções eram sempre externas, de forma que no fim das contas a produção parecia pertencer ao mundo inteiro menos a ela mesma.

E era assim que surgiam as coisas na sua vida, fundamentadas no quase. Quase encontrara alguém para dividir o porta escova de dentes e tirar a pedra do seu peito. Quase era amiga o suficiente das pessoas para que pudessem confiar nela e sentirem saudades dela enquanto estivesse ausente.

Quase sabia como elogiar as pessoas sem parecer interesseira e motivada por intenções secundárias. Quase sabia como discutir com alguém sem ficar com ar de teimosa, ou postura de ignorante.

Quase sabia ser adulta quando requisitada e quase sabia agir como criança quando fosse necessário.

Quase era inteligente o suficiente para saber sobre as coisas do mundo e quase era esforçada o bastante para conseguir o que tanto almejava. Quase era equilibrada o necessário para saber do que precisava e o que inventava.

Não sabia como ainda conseguia esperar tanto de si mesma, criar tantas expectativas, afinal de contas já devia saber: era a garota dos quase.