sábado, 20 de fevereiro de 2010

Racionalidade flutuante

A cabeça lhe escorregava de cima dos ombros. Descendente de tudo que lhe dizia respeito, parecia solta por todos os cantos. Os becos escuros da insistência lhe assopravam todas as respostas que ela insistia em refletir, com a cabeça solta e os joelhos relutantes. O bocejo surgia para denotar algo que não lhe condizia. Sabia muito bem falar sobre a simultaneidade dos fatos reclusos.
A mão puxava para trás os cabelos curtos. A nuca exposta tentava absorver cada resquício da leve brisa que se espalhava no ambiente. O calor estafante a sufocava, a angustiava. Já as palavras que se seguiam sugeriam algo mais que uma constatação nova e surpreendente. Era a novidade mais velha de todas, a obviedade mais reluzente de todos os tempos. A verdade na ponta da língua, no cerne dos braços, no íntimo dos passos.
Algo diferente surgia da rotineira troca de palavras. Aquela sensação de que o seu tudo dependia dela e somente dela. Todo o poder nos pés e a cabeça que flutuava não expressava mais a impotência inicial. A intoxicante e inebriante percepção de que o azul do céu era tudo que ela precisava naquele momento. Deitada sobre a grama, uma mão repousava suavemente sobre a cabeça avulsa, confundida no verde esmeralda.
Saberia explicar as vontades constantes, as realidades presentes e as intenções previstas. As nuvens que se moviam lentamente no céu riscado a fizeram chorar, só daquela vez, derradeira e inexplicável, mas fizeram.
Descender, desdizer, desmentir, desmistificar, desenraizar, desapegar, desprender, entender. Assim, transcender. Desrazão?

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Último baque de entendimento

O som que ecoa por todo o espaço. O céu desaba, pouco a pouco, em segundos irreconhecivelmente idênticos. Todas as luzes oscilam em uma claridade vazia e desnecessária. Tudo fica assim, meio blasé, em um semi-amarelo, semi-estruturado.
A voz segue inferindo palavras de reconhecimento. Enquanto lá fora o mundo acaba, gota por gota, vez após vez. O dispensável ganha valor inestimável, com todos os tons marfim que se poderia ter.
O excesso de ruídos secundários a confundiam. Os fragmentos de familiaridade e suposto foco se misturavam, inevitavelmente, com todas as notas de um cotidiano nada rotineiro.
Fora um dia que começara duas vezes. A melodia que se perdia naquelas quatro paredes isentas de verdade, ou melhor dizendo, alheias a realidade. O raciocínio comprometido, característico dos primeiros instantes da manhã, não a permitiu reconhecer sua falta de intencionalidade. Momentos depois, o dia começara outra vez. Três janelas, duas vontades e um dia pela frente a convenceram de que o sorriso não era mentira.
Enfim, desconfio que seja assim mesmo, juntando um pouco de tudo eu consigo o que quero, o que preciso ou simplesmente o que posso. A seriedade denotada no rosto tinha pouco ou nada dizer, dada a intenção que a precedia.
Cômico pensar que quando se entende o essencial, as outras verdades se esvaem e um gesto sutil reafirma o que se faz presente. Podia ser inconveniente saber o que julgava conhecer em meio as palavras pouco suaves e os risos que caiam jogados nos azulejos riscados.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Enquanto o mundo gira

Dia de música, de conversa, de surpresa, de finalidades, de estupor. Período de mãos dadas, de sobriedade questionável e lábios revolvidos.
O rubor no rosto pouco tinha a atestar. Os sussurros cortavam a noite muda intensamente. As vontades se enlaçavam por entre os lençóis riscados, enquanto as mãos se encontravam de vez em outra, perdidas nas intenções previstas.
Verdades ofegantes transpareciam em meio ao silêncio que ricocheteava nas quatro paredes. Era noite de prelúdio, de desejo, de palavra e de outro tanto não mencionado. Os anseios que deslizavam por entre as duas possibilidades cortavam a madrugada obscura, enquanto os dedos longos tentavam se agarrar ao que pudessem.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A terceira, da direita para a esquerda

O que fazer nos dias de intensidade vazia e olhos fechados? A familiaridade ausente no ambiente costumeiro tinha algo a dizer. Ela continuava omitindo o mais óbvio na forma de uma raiva fugidia, enquanto os nós dos dedos, sobressalentes, se apertam contra a madeira avermelhada.
Ela não conseguia apreender muito bem quem era. Na verdade, não conseguia mesmo e ponto final. Poderia dizer que quase apreciava distrair as situações, enganar as vontades e negar os motivos. A garganta em nó nada mais queria afirmar do que uma angústia fundada em não saber. As palavras se misturavam àquela sensação ímpar que lhe roubava não só o ar, mas também a certeza.
Com todas aquelas vozes soltas, flutuando no espaço vazio, ela fingia não ouvir cada palavra com os olhos cerrados e a atenção aparentemente distante. Os olhos fechados conseguiam entender cada instante enquanto se faziam passar despercebidos.
O chão acinzentado e opaco refletia fracamente todos os anseios nada oportunos. As paredes brancas e irregulares a sufocavam. A porta semi-aberta rangia insistentemente. A cabeça lhe pesava sobre os ombros, as idéias esparramadas de forma sutil e silenciosa cansavam. Os suspiros aspiravam serem notados por um ou mais sorrisos no fim da fileira. As aspirações suspiravam tentando se predizer em outras intenções.
Queria tanto atentar-se para o que sabia espontaneamente e sem meias- palavras sistematicamente mensuradas, antes de tudo lhe atingir os olhos que se apertavam mais uma vez, uma última vez. Os olhos, agora abertos, se embaçavam ao se depararem com a luz excessiva.