sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Poesia da pequenez

A caneta só está lá
Repousando
Flutuando

O papel só fica ali
Contemplando a madeira desgastada
Dizendo sobre as aspirações de tinta

É mais do que simplesmente papel
É um rascunho de intenções
Uma lista de vontades
Uma compilação de reverberações
Um apanhado de imensidão

Só que mesmo assim não passa de papel
Dependente de minha disposição
Desejante de minha intensidade
Cego à sua pequenez
Surdo à sua potência
Mudo à sua desilusão

Faço de papel horizonte
Faço de caneta permissão
Enquanto a poesia faz de mim
O que ela bem quiser

(Transcrito depois de 14 min de "Só dez por cento é mentira". Obrigada por existir, Manoel de Barros)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Faz de conta

(essa é minha tentativa, um tanto falha, de me concentrar mais, me dispersar menos e criar algo um pouco mais ritmado, achei clichê, meio não-Carol, muito extenso e basicamente ruim, mas...)

Você está aí, na porta de malas prontas
Os pés tocam a calçada
E você se vai

Eu bem que reparei que o dia está nublado
Tudo está exatamente como você deixou
Seu travesseiro ainda está na cama
Mas eu ainda nem dormi

Você está lá, na estação de trem
As mãos tremem
As pernas vacilam

Eu bem que percebi que algo não se encaixava
Tudo está exatamente como você deixou
Aqueles seus sapatos estão no armário
Mas eu ainda nem troquei minhas roupas

Você está ali, no restaurante sozinho
A garganta aperta
O coração vacila

Eu bem que entendi que você mentia
Tudo não estava como antes
Aqueles recadinhos ainda estão na geladeira
Mas eu ainda nem consegui comer

Você está por aí, tentando seguir em frente
O sorriso está enferrujado
A voz está hesitante

Eu bem que tento te convencer
Tudo que eu falo
Eu diria mesmo pra você
Como se a gente ainda estivesse no mesmo lugar

Eu ainda quero que a verdade seja que você mente
Eu ainda quero que você me deixe preocupada
Eu ainda quero que a gente se engane dizendo que é pra sempre
Eu ainda quero que a certeza seja que não acabou
Mesmo que nada faça mais sentido
Mesmo que você nem se pegue mais pensando em mim

Eu vou deixar a porta aberta
Eu vou deixar a chave debaixo do tapete
Eu vou deixar a luz da sala ligada
Só pra ver se você volta

Eu vou deixar seu travesseiro na cama
Eu vou deixar seu sapato no armário
Eu vou deixar os recados na geladeira
Só pra ver se você volta

Todos dizem que eu estou me iludindo
E que você não vai voltar
Mas quem sabe de nós, não é?

Quando você voltar a gente pode fingir
Agir como se você nunca tivesse ido
Seu perfume ainda inunda a casa
Até parece que você ainda está aqui

Todos tentam me convencer da “verdade”
E falam que estou melhor sem você
Mas quem sabe de mim, não é?

Quando você voltar a gente pode mentir
Pensar que você saiu pra trabalhar
Sua câmera ficou em cima da mesa
Até parece que você ainda vem buscá-la

Todos falam de nós dois
Como se soubessem de tudo
Mas quem sabe a verdade, não é?

Quando você voltar a gente pode sair
Ver um filme, rir, andar de mãos dadas
Sua guitarra está encostada no canto
Até parece que você ainda vai cantar pra mim

Todos pensam que me entendem agora
E tentam me consolar com palavras sem sentido
Mas quem sabe o que dizer, não é?

Quando você voltar a gente pode se amar
Se envolver, se enlaçar, noite afora
Nos conectar como fazíamos antes, sabe?
Naqueles momentos em que tudo fazia sentido

Eu ainda quero que a verdade seja que você mente
Eu ainda quero que você me deixe preocupada
Eu ainda quero que a gente se engane dizendo que é pra sempre
Eu ainda quero que a certeza seja que não acabou
Mesmo que nada faça mais sentido
Mesmo que você nem se pegue mais pensando em mim

Eu vou deixar a porta aberta
Eu vou deixar a chave debaixo do tapete
Eu vou deixar a luz da sala ligada
Só pra ver se você volta

Eu vou deixar seu perfume no ar
Eu vou deixar sua câmera em cima da mesa
Eu vou deixar sua guitarra no canto
Só pra ver se você volta
Quem sabe você volta...

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Descarte

Seu violão distorcido não diz de nós
O tempo que condiz, não contribui
É estranho dividir uma realidade com você
Se nem somos do mesmo universo

A música no improviso ressoa, entende
Eu fico sem saber o que dizer
Permitindo-me me inspirar
Por uma verdade que nem ao menos é minha

Cada um em seu ofício
E o meu ofício que é nenhum?
Cada um com suas respostas
E a minha resposta que é pergunta?

A gente tenta soar no mesmo ritmo
O descompasso atrapalha, atrasa
Eu não trato de corrigir as rasuras
Tudo segue como se nada tivesse acontecido

Eu não olho, não percebo, não completo
Fico sentada no canto, dizendo
Mas ninguém compreende mesmo
Quando as palavras já são mudas

Quase ninguém percebe percebe que é assim que me comunico
Nos silêncios permissivos da melodia alheia
Quase ninguém nota que é assim que mais falo de mim
Nas notas perdidas do equívoco anunciado

Não entendem, podem até tentar perceber
Minhas frases incompletas gritam
Enquanto todo mundo sai do eixo
Quando todos mergulham em algo que não diz de mim

Fica frio aqui fora, quieto
É penoso saber que no lamentar é que mais sou poesia
Os universos se estendem, não se entendem e colidem
As verdades se separam, se distanciam

E não importa mesmo
Se eu pudesse ser quem eu quisesse ser
Seria conforto e distância
Se pudesse estar onde quisesse estar
Estaria tranquilidade e acomodação
Porque o que mais dói agora é não ser/estar nada disso
Nem ao menos pra poder passar despercebida

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Ininterrupto

Enquanto eu ando pelas ruas e só ando
As pessoas passam por mim, andando em círculos
Rostos embaçados, sorrisos enferrujados
E a dor que cada um esconde?

Pareço ser fria, deprimida
Enquanto todos penduram um cabide no rosto
Eu acho engraçado, acho melancólico
Todo mundo andando em direção a lugar nenhum

Em todos os cantos rostos conhecidos
Lugares desgastados
Risadas encobrindo tudo
A angústia se soma, acrescenta

Eu abaixo a cabeça, finjo nem notar
Só vou chorar quando a chuva começar
Acho estranho te contar, acho complicado admitir
Espero que vejam através de mim, além de mim

Pareço estar anestesiada, entorpecida
Enquanto todos falam sem ter o que dizer
Eu acho irônico, acho rotineiro
Todo mundo andando sem poder enlouquecer

Ninguém me conhece, ninguém sabe quem eu sou
Os momentos em que eu me perco
São os melhores que eu já tive
Sou translúcida, me atravesse