terça-feira, 24 de maio de 2011

Coração

Eu acho penoso assumir que quando as palavras faltam, a sua ausência me angustia, sabe? O que eu faço com essa vontade não sei ainda de quê e essa intenção que eu sei mais do que devia do que é? O silêncio me rodeia, quase sempre anuncia a aceitação, mas não hoje, não agora, não nessas circunstâncias.

Quando a gente cansa de brincar de ser amores é difícil simplesmente se deixar levar pelas possibilidades, se deixar envolver nem que seja aos poucos. Fica complicado arriscar, tirar a pedra do peito e não mudar de calçada quando aparece uma flor (como mesmo diria Chico Buarque). A pedra no peito ainda pesa demais, não consigo simplesmente ignorá-la, evitá-la e permitir que o vazio tome conta antes que tudo se (des)faça em flores outra vez.

Depois de mudar minha visão sobre o mundo, o universo e tudo mais, a complexidade em preencher esse pedaço que nunca me faltou só aumentou. Como achar a parte que falta, se não sinto a ausência em mim, e sim no mundo? Essa é a desvantagem em se intricar, misturar e perceber assim, una em tudo e tudo em uníssono mais do que perfeito.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Balé no lago das sombras

1, 2 e 3... Todos prontos? Podemos começar? Ainda há muita agitação nos bastidores, silêncio, por favor! Não há mais tempo. Prontos ou não aí vamos nós!

Teatro das máscaras que giram na mais inocente perfeição, tão planejada e premeditada quanto o pôr-do-sol cinza que havia se concretizado há alguns instantes atrás. Com movimentos leves e ensaiados, quase que por magia não desviavam um milímetro do que fora prometido. Tal delicadeza não havia sido notada nos bastidores agitados do teatro já ancestral.

Um pouco mais rápido agora, movimentos um tanto mais majestosos e que chamam a atenção da platéia, que ainda assiste atônita a tal deslumbrância. Aumentando o tom da orquestra, que fora omitida do espetáculo maior por puro capricho de coadjuvantes que insistiam em sua mania de grandeza. A trilha sonora divina ecoava por todo o salão e fazia com que cada espectador seguisse mentalmente nota por nota.

Uma máscara cai aqui e outra ali, com os rostos agora descobertos as duas sombras perdem por um instante o compasso e o ritmo garantido de anteriormente. Mas, insistem em dançar, mesmo que de forma um tanto desleixada em meio aos espectros que preservavam as máscaras confeccionadas, psicologicamente, traço a traço e tom a tom. São aos poucos levados, de forma discreta, para o fundo e para as laterais, locais aonde pudessem ser facilmente tornados irreais e desconhecidos pelo público totalmente hipnotizado.

Um holofote focaliza os mais adornados dançarinos que dançam o balé de forma única, mas ao mesmo tempo, um tanto conservadora. Lembravam dois cisnes bailando no palco, pareciam ir aos poucos flutuando e se afastando do campo de visão de todos, e em perfeitas espirais o cavalheiro conduzia a dama até o teto. E em um instante os dois desapareceram aos olhos de todos.

Surpresa! Várias exclamações surgiram da platéia que insistia em acreditar na quimera inventada para trazer emoção. Todos dançavam tão rápido que se tornaram irreconhecíveis, apesar das cores contrastantes e totalmente diferentes da suas vestimentas. As sedas planavam em uma beleza magnífica, causando um efeito ainda mais assustadoramente belo no sonho. Surgiram sombras vestidas de borboletas no teto e logo se uniram ao ritmo incrivelmente rápido do restante dos componentes.

Os passos se tornam mais lentos outra vez e cada passo é acompanhado de forma plena pelos espectadores. Giros, saltos, todos com leveza, até que mais uma máscara cai.

O balé vira quase um drama, a sombra chora alto e todos os seus lamentos são ouvidos, mas se distorcem antes de chegarem aos ouvidos da platéia, que nada compreende. As cortinas se cerram por um instante, mas a orquestra prossegue encantando a todos e lhes fazendo esquecer do incidente trágico.

Metade das sombras retorna ao palco e, a despeito da confusão que uma única sombra, agora sem máscara, havia gerado, todos seguem exatamente os mesmos passos e agora as máscaras apresentam mais cores e uma luz fraca, mais ainda sim berrante no meio da escuridão mórbida do teatro. Parecem não ter se abalado nem um pouco e a platéia já havia esquecido todos os erros e acontecimentos bizarros da noite.

A orquestra começa a ignorar a música propositalmente para gerar o alvoroço que já havia sido anunciado no dia anterior. Tal desordem tinha a intenção de acordar a platéia para o verdadeiro espetáculo que vinha sendo deixado em segundo plano o tempo inteiro.

Agora sem música as sombras continuam dançando e nem parecem terem perdido a base da apresentação. Aumentam e diminuem a velocidade conforme pareça sensato e não perdem a atenção de grande parte dos que assistiam.

As metades que representam a orquestra saem dos bastidores e se atiram no palco, atrapalhando as sombras que de repente mudam de cor e perdem as sedas. Começam a tocar uma melodia palpável e visível, extremamente bela e bondosa, que vai aumentando aos poucos de forma e cor.

Personificada, é a perfeição mais real que puderam entregar ao público que vinha se separando da consciência da verdade, depois de tantas mentiras aceitáveis e mais fáceis de compreender, atiradas em suas mentes confusas.

Logo as sombras vão sumindo em meio à luz que começa a invadir o teatro. O teto começa a se tornar mais fino e mais fino até se dissipar completamente.

Claridade! Realidade! Tudo colocado diante dos olhos dos que ainda insistiam em se alienar em meio à dança das sombras. E que as cores verdadeiras invadam seus olhos, e que as formas perfeitas continuem a prosperar em cada uma das flores da cerejeira. O lago das sombras acena um adeus. Hora de enfrentar o verdadeiro espetáculo de olhos e mente aberta, mas preservando cada um dos valores acumulados na experiência de perda da lucidez.


(18-08-2006~22:00)
escrevi ouvindo swan lake, a parte principal waltz
ele meio que segue o ritmo da música, achei isso legal ahauahua xDDD~


[texto velhinho, mas lembrei dele esses dias...]

terça-feira, 3 de maio de 2011

Churrasco e buquês

Sem falso moralismo, me atrevo a dizer. Para mim é árduo o exercício de tentar entender porque as pessoas associam comemoração com banho de sangue. Qual é o sentido em transformar felicidade em violência e violência em abarrotamento? Por que será que as coisas não podem ser medidas pela plenitude, pela inteireza quando nos entorpecem de contentamento e podem sim ser medidas pelo excesso quando nos matam aos poucos e nos fazem definhar?

Desde quando arrancar a rosa do pé e agüentar alguns espinhos virou sinônimo de romantismo, ficando em nossas mentes por breves instantes e em nossas vidas por instantes mais breves ainda e perecendo logo a seguir? Desde quando morrer de amor virou algo belo e nobre e viver de felicidade virou falsidade e insensatez? Desde quando clichês viraram o ansiosamente esperado e a inovação ganhou caráter perturbador? Desde quando aplaudem nossas paráfrases e rechaçam nossa voz crítica? Desde quando incitam nossa racionalidade às custas de ignorar nossa irracionalidade?

E sou assim, só assim posso ser, sendo mais desrazão do que razão. Enquanto a essência do incenso invade a casa inteira e as notas me circundam e inebriam, me sinto assim, mesmo que só por um reles momento: plena e satisfeita.