domingo, 2 de abril de 2017

Menstruação: um relato de uma relação de amor e ódio (e depois vem mais amor) [Parte II]



Continuando meu relato sobre a minha relação com meus ciclos, hoje é dia da parte II: 

Parte II - A Primeira Consulta com a Ginecologista


Agora vou dar um fast forward pros meus 14 anos. Eu estava na oitava série e sofria muito bullying na escola, por ser alta, por ser magra, por ser diferentona, por ser nariguda e por outros mil motivos. Eu sentia que não pertencia aquele lugar e me sentia péssima toda vez que entrava na sala de aula, mesmo gostando de estudar. Pra completar o sentimento de não pertencer, todas as meninas a minha volta menstruavam e eu não. Acho que eu praticamente já nasci preocupada e encafifada com algumas coisas na vida e eu fiquei com aquilo na cabeça, achando que devia ter algo de errado comigo, pois só eu não menstruava. Falei com a minha mãe, depois de muito ficar racionalizando sobre o assunto e ela disse que era normal, que ela também só tinha menstruado com 14, quase 15 anos. Aquilo não me deixou menos preocupada, por isso ela me disse que a gente poderia ir na ginecologista se eu quisesse. Eu disse que queria ir sim, pra pelo menos tirar essas preocupações da cabeça. Minha mãe disse que como eu era virgem, provavelmente a ginecologista não faria nenhum exame invasivo, que era o que me deixa mais preocupada e envergonhada sobre ir a primeira vez. Fomos as duas na ginecologista da minha mãe, que era uma senhora bem mais velha e inclusive acompanhava minha mãe há anos, vamos chamá-la de Dolores Umbridge. Foi uma experiência bem ruim. Eu não conseguia me identificar com a Dolores Umbridge, ela era muito mais velha, meio mal humorada e eu não fui muito com a cara dela. Minha mãe me perguntou se eu queria que ela saísse da sala pra eu falar com a ginecologista, eu disse que não, que preferia que ela ficasse (e o diálogo dentro da minha cabeça era: PELAMOR DA DEUSA, NÃO ME DEIXA AQUI SOZINHA COM ESSA MULHER!!!) A médica me explicou que era normal eu ainda não ter menstruado, que inclusive pessoas muito magrinhas as vezes demoravam mais pra menstruar mesmo. Depois disso ela me pediu pra tirar a roupa e deitar na maca. Eu gelei na hora. EU NUNCA TINHA NEM VISTO E NEM TOCADO A MINHA VULVA OU A MINHA VAGINA DIREITO! E agora essa senhora que eu havia acabado de conhecer não só ia tocar nela, como me mostrou tudo numa tela que ficava do lado da maca. Eu quase morri de vergonha, queria me esconder, ou abrir a porta do consultório e sair correndo. Como fui esperando que isso não fosse ter nenhum exame, parecia um pesadelo. Tentei parecer calma, mas por dentro eu estava chorando, querendo correr oras montanhas e nunca mais voltar. Perguntei do hímen pra ela e ela me mostrou e explico algo sobre o fato de que o hímen só se rompia, ele não deixava de existir quando uma mulher não era mais virgem. Foi quase que uma forma de deixar ela confirmar pra minha mãe que eu era virgem, afinal de contas, na época essa era uma das coisas que eu julgava que seria mais importante numa mulher, não é mesmo? (como a gente amadurece na vida, ainda bem! Mas era o que eu conseguia enxergar da realidade com 14 anos, que a minha virgindade era quase que uma boneca de porcelana, depois de quebrada, nunca mais fica igual, por isso devia preservá-la o máximo que conseguisse.) Depois dessa primeira experiência eu não queria mais voltar na ginecologista, sinceramente, nunca mais.

quinta-feira, 30 de março de 2017

Menstruação: um relato de uma relação de amor e ódio (e depois vem mais amor) [Prólogo e Parte I]



Mais de um ano que eu não postava nada aqui, mas sigo sendo e sentindo a poesia.

Hoje escrevi sobre a minha relação com os meus ciclos, as minhas luas, o meu útero e meus ovários, escrevi sobre a minha relação com a minha menstruação. Inspirada pelas últimas lives da Melissa, sobre a Vida sem Pílula, parei pra refletir (mais uma vez), sobre o meu processo de menstruação, pílula anticoncepcional e reconexão com os meus ciclos, depois que parei de tomar a pílula há mais de um ano. Dessas reflexões saíram 7 páginas de texto no word, sim SETE páginas. Eu dividi toda a minha experiência em basicamente um prólogo e mais 11 capítulos, ou partes. Nos próximos dias vou aos poucos postando a cada dia uma ou duas partes.

O relato é extremamente íntimo e pensei bastante sobre compartilhar ou não, veio um receio de se sentir exposta e aquela pontinha de vergonha que surge sempre que falamos sobre algum assunto que ainda é um tabu. Mas depois de pensar e refletir um pouco, cheguei a conclusão de que tem tanta mulher passando pelos mesmos apertos e alegrias que eu passei e continuo passando. Pensei também que talvez, na hora do aperto, elas se sintam perdidas e sem saída, e se somente uma delas conseguir ler meu texto e se sentir mais acolhida, ou menos esquisita, eu vou ficar extremamente feliz. Como psicóloga e terapeuta, uma das minhas motivações é acolher as pessoas, fazer com que elas se sintam entendidas e acredito que meu relato possa ajudar alguém. Também acredito que como psicóloga e terapeuta (que está começando a focar no trabalho com mulheres), desconstruir esse tabu sobre a menstruação e os nossos ciclos, é fundamental. Só podemos nos conectar profundamente com o nosso corpo, se soubermos como ele funciona e não tivermos medo, vergonha ou receio da nossa menstruação, que é algo tão natural.

Por isso hoje, publico o prólogo e a primeira parte aqui.

Menstruação: um relato de uma relação de amor e ódio (e depois vem mais amor)

Prólogo

Vou relatar um pouco da minha experiência com a menstruação aqui. Vou tentar ser breve, mentira nem vou (xD), essa experiência merece atenção, tempo e cuidado, porque foram muitas vivências nos mais de 10 anos com anticoncepcional e nesses 15 meses sem anticoncepcional. Já trabalhei e continuo trabalhando tudo isso na terapia e também fiz terapia de acompanhamento de ciclo, em que resgatei todas essas vivências, escrevi uma carta pra minha donzela, aquela que tinha acabado de menstruar, então hoje em dia é mais fácil falar sobre e colocar tudo no seu devido lugar.

Parte I - A Infância

Vou começar do começo mesmo, das primeiras coisas que eu me recordo sobre menstruação. Eu me lembro de quando eu ainda era criança. Eu achava que ficar menstruada era doença, ou algo que debilitava muito a mulher, pois minha mãe chegava a ficar de cama quando estava nos primeiros dias do ciclo. Inclusive, vou contar uma historinha de quando eu e meu irmão éramos pequenos, pra dar uma noção de como a gente enxergava essa treta misteriosa que era menstruar. Eu e meu irmão fazíamos aulas de natação e um dia meu irmão falou pra professora que estava menstruado, por isso não poderia nadar. A professora riu, achou bonitinho e perguntou para o meu irmão o que significava estar menstruado, ele prontamente respondeu “menstruado é ficar cansado, sabe? Sem vontade de fazer as coisas.” Minha mãe também tinha MUITAS alterações de humor e ficava extremamente impaciente e brava na tpm. Eu e meu irmão brigávamos muito quando crianças e isso foi o que sempre testou a paciência da minha mãe. A tpm era sempre a época em que ela mais batia na gente e ficava mais brava. Acabei associando menstruação com coisas bem lights: ficar de cama, cansada, brava, impaciente, doente e debilitada.