domingo, 31 de janeiro de 2010

Transparência e Mariposas

Pouco me resta
Esse farfalhar constante
As asas que se agitam, se movem
O debater de um entendimento

As vontades que incendeiam uma parede
O pensamento que acende no instante
O iluminar que escapa por cada fresta

Nessa sinestesia de fascinação
Uma atração que se traduz em não saber
Instigando um instante
As palavras somem, a essência se faz

Em trânsito livre: cá estou
E não estou mais
As letras deslizantes da mais singela expressão
O sentido que se perde, para logo se encontrar

Um caos controlado
Um ócio ocupado
Uma possibilidade disponível
Um berro contido

Reações ao insistir dos mais insistentes
Meu espetáculo prescinde da platéia
Cada possibilidade ao meu dispor
Pouco demando, síntese de imprevisibilidade

Seguem, insubordinadamente, rastejando
Transgridem, aos poucos, a obviedade lúcida
Incomodam, irritam, perturbam
Debatendo-se pela intencionalidade da desordem, desrazão

Vou assim, misturando tudo
Confundindo o ontem, o hoje e o amanhã
A verdade insolúvel
Os insetos desejantes
A expectativa inconstante

sábado, 23 de janeiro de 2010

3 palavras

Não posso me permitir mais somente dançar na frente do espelho, embalada por essas meias verdades disfarçadas no tecido branco do vestido. Preciso de uma concretude presente, um instante quase perfeito, uma aptidão incontestável ou quem sabe uma certeza momentânea.
Minha volatilidade aparece nas ocasiões menos oportunas. Convicção não é um termo exatamente recorrente no meu repertório diário. Faço estável essa necessidade de ser instável, quase o tempo inteiro.
Se por um instante fui poesia, no outro já fui a tristeza mais profunda que só quem traceja essas mal traçadas linhas de grafite entende o que quero dizer. Sou assim, infinita inconstância que pouco entende e pouco tem a entender.
No outro instante explodia em felicidade imensa, felicidade que me encobre inteira e de forma tão simples e completa que o mundo pára de ser o nosso mundo só por um instante. Chegue um pouco mais perto, quero te contar todas as minhas verdades mais secretas, aquelas que até mesmo eu me esqueço que existem dentro de mim. Te digo três palavras só por um instante e assim começa o meu novo mundo.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Cosquinhas

Era um dia, inevitavelmente, de sombra sob a árvore. O mundo deixava de ser: as inverdades no asfalto ardente, para surgir uma vontade de céu azul e nuvens de algodão. Fora um dia daqueles em que se esquece, propositalmente, os anseios que a faziam ser quem era. As frases incompletas e os olhares de relance demonstravam muito bem que a familiaridade era constante.
Mas como tudo que a afastava dos pensamentos da burocracia, o dia acabaria. Acabaria bruscamente, com os três segundos ganhos e a vida perdida. Tentava se lembrar do motivo que a trouxera um dia de presente, no entanto o contentamento insistia em se ausentar.
Uma palavra só. Singela palavra, quase estúpida. Mesmo assim ela não conseguia conter as risadas, nada discretas, que lhe subiam a garganta. Era tolice se permitir rir assim, às onze da noite de um domingo cinzento e estafante, mas mesmo assim ela ria e ele pouco (ou nada?) entendia.
Uma só palavra. A verdade que gritava uma lembrança do que nunca sequer se fez presente. A palavra que ditava a proximidade que surgia em um só segundo, a palavra que ela conseguia muito bem entender, lhe faltava, obviamente, a explicação. A palavra era assim, simplesmente inexplicável, tendo tanto a dizer enquanto todas as outras palavras não conseguiam ser suficientes.
Uma palavra. O afeto que se mostrava na impossibilidade de não se importar, de não se lembrar e de não criar afeto. Soava absurdo agir tanto como aspirante a poetisa, e dar mais valor às palavras do que elas contém, porém era inevitável. Enquanto ele ficava por entender, ela só ria, sorria e repetia, para si mesma, uma palavra, uma só palavra, uma palavra só.
Essa síntese de tudo que lhe fazia tão bem, em uma só palavra. As “cosquinhas” nos dias de penumbra ainda viriam lhe esboçar um outro sorriso.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Calafrios

Aqui dentro

O nó na garganta aperta, palpita. A pedra vai pesando, aos poucos. As têmporas latejam, persistem. O estômago revira, pouco entendo. O ar que me falta, sufoca.
As verdades roçam suavemente pelo meu rosto. Pouco saberia dizer sobre as vontades que insistem, gritam e me tiram o sono. Se ninguém compreende o que falo vez após vez com os olhos fechados e os pés no chão, o que tenho a atestar?
Brevemente, posso enxergar as palavras pálidas que deslizam por entre a melodia. As palavras que se fizeram de canção tinham sentido? Não seria somente a intenção se fazendo presente nessas letras que nada explicam? É assim, em um baque, as notas se insinuam em meio ao ambiente ecoante e a falta de ar que inebria me atinge.
O soneto se fazia de dissonâncias confusas e harmonias inexplicáveis. A visão fica turva e as pernas já não sabem bem por onde vão. O que seria essa vontade indescritível de simplesmente se deixar levar pelo descontentamento? As pessoas passavam por mim e tudo fica assim, meio desbotado, um tanto blasé.

Lá fora

As mãos gélidas empalideciam cada vez mais, enquanto o vento batia na janela carmim. A expressão dela, quase cadavérica denotava uma mudez quase intencional. Os seus olhares furtivos pareciam sem propósito. Ninguém notava seu silêncio desesperado.
Era outro daqueles dias, inevitáveis, dias de marasmo.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Km 664

Antes essa inverdade inutilizada do que aquele otimismo vazio, aquele sorriso enferrujado, aquela certeza oca. Queria saber dizer dessa solidão manejável, com todas as palavras em ordem e os predicados no lugar. As luzes que se desdobravam pela noite com fim definido só faziam embaçar as razões.
As árvores laterais viram nada mais do que um borrão verde enquanto as teclas cantam e as letras se seguem. O barulho do vento se espreme por entre as frestas da janela e ensurdece. As vozes se misturam naquele pequeno espaço e as intenções não surgem. Uma vez...
A claridade sensibiliza os olhos semi-cerrados. As mentiras ficam reclusas, desnecessárias. O acinzentado do céu explica. E o controle que escapa? Vou tentar fugir dessa chuva antes mesmo de ser inundada de entendimentos.
As vontades se desfazem por trás de cada palavra dita, de cada racionalização forçosa. O asfalto remendado exaure.

domingo, 10 de janeiro de 2010

118 - Memórias de cristal

A princesa canta enquanto pula no colchão de molas. Dizem que nunca fora princesa, mas ela sabe que é e pode provar: a quase imperceptível coroa em sua cabeça não permite que ninguém desminta a sua realidade.
A garota fica a cantar uma música tola e apaixonadinha. Uma canção que ouviu em um dos vinis dos seus pais. Ela se lembra muito bem de todas as cores, desenhos e detalhes do encarte, mas não se lembra do nome da banda e do disco. Ela é conhecida por guardar detalhes desnecessários e esquecer o que é imprescindível.
Sua majestade cansa de pular e cantar aos gritos e deita já ofegante na cama. Ouve passos vindos do corredor e alguém bate na porta:
- Filha, vem jantar!
- Não estou com fome... Mais tarde eu como alguma coisa.
Os passos rumam de volta à escada. E o som dos mesmos vai se atenuando até ficar reduzido demais para que ela escute.
“Filha, vem jantar!”, que insolência! Amélia era uma princesa e nunca entendia porque todos a tratavam uma pessoa normal. Desde o último inverno tudo que sua mãe fazia lhe deixava nervosa, mas tratá-la assim, como uma simples pré-adolescente era o que mais a enraivecia. Afinal, a sua maior, e talvez única certeza era a de que fora achada em algum lugar perdida e depois adotada, já que aquela família era normal demais para possuir um membro legítimo da realeza.
Se ela se esforçasse bastante conseguia até fazer surgir uma lembrança: vagando pelas ruas chorando, com um vestido todo branco e com uma pequena coroa cintilante repousando sobre os cachos loiros. Mas não se lembrava de nada anterior a isso e também não se lembrava de quando fora encontrada pelos pais adotivos...
A prova de que aquela lembrança não era apenas um devaneio, repousava agora sobre os mesmos cachos loiros que apenas estavam um pouco mais longos. A coroa era bem pequena, afinal era quase que um souvenir do passado misterioso. Seus “pais” bem que tentaram escondê-la no fundo de um baú no porão. Eles sabiam muito bem que ela evitava ir lá por motivos inexplicáveis. Mas a curiosidade superou o receio e de tanto sonhar com a coroa, a casa inteira ela vasculhou até achá-la.
Ela ficava só pensando no motivo de eles esconderem tudo dela assim. Sobre o seu nascimento, adoção, pais biológicos. Ela já era uma mocinha e tinha todo o direito de saber sobre seu passado nobre. Afinal ela havia sido abandonada ou só havia se perdido?
Um tanto irritada com aquela corrente de mentiras, ela abriu a porta rapidamente, correu em direção às escadas e desceu as mesmas sem nenhuma cautela. No meio da descida ela tropeçou nos próprios pés e saiu rolando escada abaixo.
Ficou por um certo tempo inconsciente, ao acordar notou que não havia ninguém ali, ela parecia ter sido transportada para outro lugar... Um lugar todo branco, sem escadas, com apenas uma porta e uma cama velha sob um colchão de molas empoeirado. Ela olhava para todos os cantos tentando entender o que acontecia quando percebeu que a coroa não estava em sua cabeça e os cabelos não eram mais loiros e nem encaracolados.
Seus cabelos eram ruivos e muito lisos, um tanto desgrenhados e longos em demasia. Ela não compreendia nada, o que acontecera? Onde ela estava? Passava a mão no rosto e seu rosto, aquele rosto que não era o seu, era um rosto mais sofrido e mais antigo. E ao gritar de desespero percebeu que a voz também não era a mesma:
- Mãe, o que está acontecendo? Onde eu estou, mãe? Tira-me daqui!
E nada de resposta... Ela engole em seco, onde estaria sua mãe? Ela volta a gritar por ela e de repente ouve ao longe alguns passos e a voz de alguém que aos poucos vai se aproximando:
- Filha, vem jantar! Filha, vem jantar! Filha, vem jantar! – a voz vai ficando cada vez mais alta e ela percebe que aquela é a voz de sua mãe.
Ela corre em direção a porta e observa por uma fresta bem pequena alguém nunca antes visto passando e dizendo “Filha, vem jantar”. Essa pessoa repete a mesma coisa incessantemente com a voz da mãe adotiva da princesa.
Alguém lá fora percebe uma movimentação intensa vinda do quarto 57 e resolve destrancar a porta. É um homem de cabelos muito loiros e roupas extremamente brancas, com um meio sorriso no rosto:
-Liga não, essa é a frase da semana de Charlote. Agora mesmo eu trago seus remédios, apesar de você estar tão bem ultimamente. Melhor prevenir do que remediar, não acha, Desiré?
Edmond fecha a porta e se afasta vagarosamente, guiando Charlote pela mão direita. Quando ela não consegue mais ouvir os passos de Edmond e nem a voz de Charlote, Desiré solta um grito que lhe rasga a alma e as memórias de cristal se espatifam no piso branco.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

102- Cinzeiro

Ninguém mais se importa
Se o mundo desfalece
Ou algo lhe rouba
O que parece?

Ninguém mais tenta
Se a verdade atesta
Ou se lamenta
Nada lhe resta...

Ninguém mais arrisca
Se os sonhos vivem
Ou seguem à risca
Nunca antes temem?

Não queria essa consternação morta
Calada, repentina
Nem que se abra outra porta
Tal como chuva vespertina

Não queria esse pranto soluçado
Estático, vazio
Decidido por esse brado
Que tanto deprecio

Não queria esse nó
Que nem se encontra
Voltando ao pó
Que por vontade afronta

Such a tease, ashtray...

sábado, 2 de janeiro de 2010

Enquanto a menina dança

Era um dia como qualquer outro, ou quem sabe um dia como nunca se viu. Os olhos se fechavam lentamente, acompanhando cada nota muda que ressoava em cada canto daquelas quatro paredes sólidas, paredes lívidas, paredes sólidas como qualquer outra.
Insistiu em não dizer nem por um instante, talvez só por um, o que se passava. Insisti em procurar saber, mesmo percebendo, no âmago de meu ser, que a vontade por saber era inexistente, oca e injustificada. Queria mesmo me enganar no meio de uma trama de sinceridades indiscretas, nunca ousou me falar com os olhos de quem sabe o que diz, sempre tentou deixar claro que sua certeza era tão ínfima quanto a minha, uma certeza de quem procura compreender tudo sem entender uma vírgula sequer.
Disseram-me que tudo escutado eram especulações, idéias soltas no escuro, procurando se orientar por meio de nada menos que um pingo de luz que escapa pelas frestas do quarto inundado pela escuridão. E ali, naquele instante em que o mundo girava e eu tentava me localizar, um pingo de luz solto na escuridão não iria me fazer chorar, não dessa vez.
As lágrimas que rolavam pelo rosto pálido de quem já foi não eram mais minhas. E por ironia sádica e mórbida, não me senti orgulhosa por não deixar as lágrimas correrem. O nó na garganta latejava com toda força que eu sentia que nunca poderia existir dentro de mim. Era uma dor que não pesava, só incomodava, ficava ali, como para me recordar que eu era alguém merecendo ser lembrada de que o mundo vai além das minhas tristezas infundadas.
Nunca saberia dizer quando começava e quando, por fim terminou. Nem saberia dizer, naquele segundo hipotético e patético se o final seria final, se seria feliz, se viria a chegar ou se o mundo se tornaria outro a partir daquele momento. Não saberia dizer quase nada e aquele quase me incomodava profundamente mais do que o nada. Saber somente o que me arriscaria a saber era profundamente desgastante.
O mundo pode nem ter mudado, nunca descobrirei a verdade, já que eu sou eu mesma e nada além disso. Mas eu tenho certeza que o meu mundo mudou, meus olhos não são os mesmos e se forem eu me nego a acreditar nisso. A distração me lembrava que a verdade era a mesma de sempre, mas nunca mais seria aquela que eu pensava que era.
Enquanto eu girava lentamente e o meu vestido se embalava com o vento o mundo parou de ser como era antes. Não foi mais como era antes naquele instante e espero que continue assim sendo. Assim sendo, enquanto a menina (indecisa e feliz) dança...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Primeiro post

Hm, depois de muito tempo de idas e vindas (xD) resolvi criar um blog pra postar meus textos, poemas e etc. Espero fazer uma retrospectiva, postando pelo menos os meus eleitos favoritos, de diversas épocas em que escrevi. Enfim, espero que gostem. ^^
Aqui vai um textinho pequenininho só pra dar um gostinho de utilidade no post.


Tijolo Rubro

Fecho o caderno, o branco da página some, o vermelho recobre todas as minhas vontades de grafite. Fico assim mesmo, totalmente ou quase, estática, só entendo que emudeço. As palavras que sobram ficam todas despejadas no asfalto áspero.
Os borrões que passam nada me dizem. Queria saber externalizar essa intenção mesmo com os olhos abertos e os dois pés no chão. Disfarço a exatidão em mim mesma. Finjo não saber o que sei muito bem. Engano a sinceridade discreta de quem pouco compreende. O azul que pintava a janela acompanha meus passos ocos por todo o corredor.