quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Liberdade

Ela gostava de se fechar dentro de gaiolas
Só para depois abrir a porta com violência
E se sentir livre outra vez
Era o que lhe instigava
Esse sentimento de liberdade recém conquistada
Que poderia ser roubada do nada, outra vez

Depois de muita vela, mantra e leitura
Ela conseguiu perceber como sempre se trancava na gaiola dos outros
E ainda fechava a porta, só pra garantir

Entendeu que em cada gaiola que entrava deixava um pouco de si
E também acabava levando algo da gaiola
E perdendo um pouco de si mesma e levando outro tanto dos outros
Só poderia acabar sendo algo que não a si mesma

E assim, constatou, que a vida que levava fora criada pelos outros
Pelas leis que não lhe obedeciam
Pelas ordens que não lhe seguiam
Pelos valores que não lhe respeitavam
E decidiu: “De hoje em diante, faço o que eu quero e só”

Seguiu vivendo pelas suas leis, ordens e valores
Mas antes de tudo, seguiu vivendo seus quereres, seus desejos

Fazia o que lhe brotava na cabeça e lhe aguçava a pele
Corria riscos, deslizava nas possibilidades
Tudo que a vontade mandava ela fazia
De tanto querer, esquecia, de vez em outra, o precisar
De tanto seguir o corpo e a mente, as vontades da alma lhe escapavam
Enquanto isso os seus desejos superficiais adoravam se fazer  de desejos profundos
E ela acreditava.

Ah se ela tivesse escutado o preto velho que lhe dizia
“Cuidado menina, de nada adianta fugir da gaiola dos outros
Se você vai virar refém do próprio desejo”



[Celebrando as coisas que você só descobre sobre as pessoas (e porque não sobre si mesma também) sem querer, durante o banho e depois de muito tempo sem pensar sobre o assunto]

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Grades

Agora quero falar sobre o lugar para qual todos aqueles sentimentos que nos travam a garganta vão. Os sentimentos que nos entorpecem, emudecem, constrangem, perturbam ou até nos anestesiam. Tenho dito que esses sentimentos não cabem nos quadrados da moral e dos bons costumes, pois nem sabem se nomear de bons ou maus.

São os sentimentos que nos roubam de nós mesmos, nos ludibriam, não nos permitem ser sendo, nos tiram do nosso marcado lugar e nos levam para lugar nenhum. São eles que deslizam sobre e sob nós, rasgando, abrindo e abalando todas as estruturas que se possa enxergar.

Quero falar sobre tudo que não só nos passa, mas nos atravessa, nos comove e nos perfura. Falo sobre tudo que faz da gente peneira, o que nos sacode em busca do que vai sobrar. Sobre aquilo que nos avisa com alarmes e buzinas, por um bom tempo, mas quando resolve mesmo chegar se materializa em tempestade.

Digo mesmo da tranquilidade enganosa, que nos permite sobreviver dia após dia, sem nos deixar tocar. Acho que sempre tive um defeito na placa mãe, pois minha tranquilidade veio com um rombo que me atravessa de um lado para o outro. Sempre que ela parece quase chegar vem uma ventania e tira tudo do lugar, capota minhas certezas e transforma as retas em desenhos calesdoscopicos.

São os momentos de virada, que fazem as trivialidades da vida ficarem ainda mais insignificantes e as conversas despropositadas ficarem ainda mais insuportáveis. Só queria poder saber como passar por apenas mais um dia e depois outro e assim sucessivamente sem esse gosto amargo na boca e esse aperto no coração.