sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Cosquinhas

Era um dia, inevitavelmente, de sombra sob a árvore. O mundo deixava de ser: as inverdades no asfalto ardente, para surgir uma vontade de céu azul e nuvens de algodão. Fora um dia daqueles em que se esquece, propositalmente, os anseios que a faziam ser quem era. As frases incompletas e os olhares de relance demonstravam muito bem que a familiaridade era constante.
Mas como tudo que a afastava dos pensamentos da burocracia, o dia acabaria. Acabaria bruscamente, com os três segundos ganhos e a vida perdida. Tentava se lembrar do motivo que a trouxera um dia de presente, no entanto o contentamento insistia em se ausentar.
Uma palavra só. Singela palavra, quase estúpida. Mesmo assim ela não conseguia conter as risadas, nada discretas, que lhe subiam a garganta. Era tolice se permitir rir assim, às onze da noite de um domingo cinzento e estafante, mas mesmo assim ela ria e ele pouco (ou nada?) entendia.
Uma só palavra. A verdade que gritava uma lembrança do que nunca sequer se fez presente. A palavra que ditava a proximidade que surgia em um só segundo, a palavra que ela conseguia muito bem entender, lhe faltava, obviamente, a explicação. A palavra era assim, simplesmente inexplicável, tendo tanto a dizer enquanto todas as outras palavras não conseguiam ser suficientes.
Uma palavra. O afeto que se mostrava na impossibilidade de não se importar, de não se lembrar e de não criar afeto. Soava absurdo agir tanto como aspirante a poetisa, e dar mais valor às palavras do que elas contém, porém era inevitável. Enquanto ele ficava por entender, ela só ria, sorria e repetia, para si mesma, uma palavra, uma só palavra, uma palavra só.
Essa síntese de tudo que lhe fazia tão bem, em uma só palavra. As “cosquinhas” nos dias de penumbra ainda viriam lhe esboçar um outro sorriso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário